26 setembro 2007

Pensamentos bloqueados

Já há muito que queria fazer isto. Falta de coragem, de motivação, de inspiração. Há algo em mim que existe e ao mesmo tempo se esconde. Desde pequenina que sinto necessidade de captar os momentos como se fosse uma máquina fotográfica. Preciso de um papel para me exprimir, mas no momento é díficil deixar transparecer todas as emoções que senti num momento. Tenho o privilégio de poder sentir tudo excessivamente. Não sei se deva comparar com uma explosão de cores ou de cheiros, das duas uma. Uma harmonia, um preto ou um perfume, não importa. Antes de escrever desenhava. Sempre mulheres. Nada de ambientes, paisagens. Sempre o corpo humano feminino. Penso agora que seja porque queria que dele pudesse exprimir sensações. Gostava de dar algum movimento aos corpos. Roupas justas ou largas e leves. Nunca gostei de desenhar um corpo de frente a olhar para mim. Estava sempre distraído, natural, como se eu passasse por lá e sentisse que devia tirar uma foto aquela mulher. E tentei desenhá-la anos a fio. Mas nenhuma ficou perfeita. Depois descobri a escrita. Usei-a de forma despreocupada durante a minha infância, porém sempre com o desejo de que transmitisse sentimentos. Uns versos em dias de festejo, umas linhas diarísticas muito precisas, letras diferentes em cada dia. Sempre à busca de uma perfeição, há busca de uma expressão de mim.

Leio agora o que escrevi na minha adolescência e rio. Espero que sintais o mesmo que eu ao ler isto: " Fui paixão de muitos amantes, / calor de muitas brasas. / No meu coração errante,/ ninguém prende as minhas asas."

Atenção, não sou humilhada sem humilhar... Já agora, na leitura insaciavel dos meus diários fui dando de encontro com cartas. Cartas ridículas e infantis como a minha quadra. Por exemplo: "És daquelas pessoas , poucas neste mundo, que merece que tudo de bom lhes aconteça." Erros sintácticos à parte, há uma questão de semântica importante. A escrita deveria ser eterna, neste caso durou pouco o sentimento... Se bem que agora a frase ganhou muito mais sentido do que na altura:) E quem já não recebeu cartas com frases assim: " dizer que te amo, para mim é pouco, porque o que sinto é muito mais do que isso, o que sinto é algo de divino...". Melhor, frases de quem me insultou os piores nomes até hoje ouvidos: " Quero que saibas que te respeito muito, mesmo muito." Ou esta de quem me disse que tudo o que passou comigo não passou de uma aventura igual a muitas outras: "Contigo estou a passar um dos melhores momentos da minha vida. Um momento que me ficará gravado na memória". Pois...nota-se:)

Muitas cartas já deitei ao lixo, mas são todas iguais. Todas dizem esses sentimentos que as pessoas pretendem definir e que ao fim de contas chama-se ilusão.

Quantas vezes vou na rua e apetece-me gravar o momento. Momentos interessantes como as expressões das pessoas na fila da segurança social, pessoas no metro, funcionários do tribunal, o homem do talho, a sobrinha solteirona do homem mais rico de vila do conde. Uma fotografia apanha a pessoa e apaga o momento. Tempo passa por mim. Essas pessoas estão a sentir agora e eu a sentir com elas. Sinto por elas. O homem do talho a almoçar peixe a saber a porco, a funcionária do tribunal de cabelos grisalhos e loucos a cantar uma melodia que só ela conhece, pessoas no metro a pensar em pessoas no metro, a solteirona a pensar em sexo que nunca teve. Sou ou não a pessoa mais cuscuvilheira de vila do conde? O estranho é a minha paranóia com todos me conhecerem e eu não querer conhecer ninguém. Acho que quero sair daqui. Quem serei eu? A mãe solteira desempregada? Em que estarei a pensar aos olhos das outras pessoas? Não me importa o que elas pensem acerca de mim. Tudo me parece mais negativo do que realmente é. Devo ser um "frango tipo leitão":)

Desemprego

Setembro a acabar e a minha vida ainda não começou. Sinto-me embrião. Dias mais aconchegados que outros. Já tive mais vontade de nascer, agora não tenho pressa. Cada dia de sua vez. Hei de ser alguém um dia. Trabalhei muito tempo até chegar a embrião, daqui ou vida ou morte. A probabilidade de morrer é ínfima e só com alguns pozinhos de surpresas. Sinto-me enrolada no meu próprio cordão umbilical... Ando as voltas e ainda não descobri se estou a enforcar-me mais ou a desenvencilhar. Seja como for, cada volta uma descoberta. É aproveitar o nada.