14 agosto 2008

A Ilustre Casa de Ramires

" Oh Avós, de que me servem as vossas armas-se me falta a vossa alma?"
Acabei hoje de ler A Ilustre Casa de Ramires. Gostei da personagem Gonçalo, ainda bem. Porque se não gostasse não gostava de Portugal! Não gostei muito da parte do romance histórico que ele estava a escrever. Talvez porque épocas medievais não são as minhas preferidas. Mas se não fosse essa parte não sentia o alívio e prazer das outras partes. Gosto das descrições das paisagens, acho-as deliciosas.
"Duas casas térreas povoam o lado fronteiro do adro - uma limpa, com as umbreiras das janelas pintadas de azul estridente, a outra deserta, quase sem telhado, afogada na verdura de um quinteiro bravo, onde girassóis resplandecem. Um pensativo silêncio envolvia o arvoredo, as altivas ruínas. E nem o quebrava, antes serenamente o embalava, o sussuro de uma fonte, que a estiagem adelgaçara em fio lento, e mal enchia o seu tanque de pedra, toldada pela pálida e rala folhagem de um chorão muito alto."
Achei o final um bocado rápido, passaram-se quatro anos numa página. A fuga para África achei despropositada. Mas pronto. Agora vou para A Relíquia. E espero que o Eça me perdoe de ter uma perspectiva tão curta acerca das suas obras!!

01 agosto 2008

Assaltos


"Raio de vida. Os que a mim se dirigem não me querem como pessoa. Uns chegam-se para vender, outros para roubar. Ninguém me aborda sem interesse, meu Deus, como me custa ter raça!" in COUTO, Mia , Venenos de Deus, Remédios do Diabo.

Dedico este pedaço de escrita a todos os assaltantes: os que me roubaram bens materiais, outros que me roubaram bens morais, outros bens sentimentais e outros que tais.


As necessidades de cada um, só cada um poderá senti-las. Os outros questionarão se serão necessidades ou caprichos. Não devemos julgar as necessidades ou caprichos dos outros a menos que nos prejudiquem a nós. Massacrada fui eu durante anos por muitas pessoas, mas acho que isso é a cruz de sermos humanos. Seres reles e egoístas que só pensam no seu bem estar, assim somos. Uns mais que outros sem dúvida. Os sem egoísmo ascendem às divindades, os egoístas 100 % ascendem a uma fama perene. Os medianos são os comuns, só os próximos reparam até onde vai o egoísmo, ligado à insensibilidade perante as necessidades do outro.


Senti eu que me roubavam o meu necessário. Isso foi o meu calcanhar de Aquiles. Poderia eu desculpar gozarem as minhas necessidades/ caprichos dos outros. Isso também eu faço, impossível lermos a mente de quem quer que seja. Agora roubarem-me é que não acho certo, tirarem me o que é meu por direito acho ultrajante! Se me tiram as minhas necessidades, tiram me a minha vida, obrigam me a recomeçar de novo. Para quê recomeçar? Custa perder tudo por nada.


É a espiral do caos: pessoas supra egoístas que me roubam tornam me mais egoísta. Fico angustiada porque me recuso a compreender mais o ser humano. Agora por exemplo, a Rosinha, utente assídua da biblioteca, dos seus 40 anos, veio falar comigo de mundos da cabeça dela. Pergunta-me se a prateleira 2 é para meninos da escola. Não a percebo, não há prateleiras, não há números, nem livros escolares. Digo que não, mas não explico como funciona. Calo-me e faço o que estava a fazer. Egoísmo.


Roubaram-me hoje, Rosinha, preciso de uns dias para voltar a ser o que era... Entendes isso? Roubaram-me, sim. Comida, roupa, pedaços da minha filha, o meu sustento. Sou eu só, Rosinha, sinto me mais só sem as minhas coisas. Tu também és só no teu mundo, mas tu estás bem. Não choras quando te roubam, não te faz diferença pois não? Eu vivo para as minhas necessidades. Tenho consciência que preciso de dinheiro para comer. Tu não cozinhas pois não? E quando o teu pai ficar velhinho e já não puder te trazer à biblioteca, Rosinha, vais chorar? Pois Rosinha, é como eu. Pouco tenho e o pouco já não é meu.



Os que me roubaram pouco têm. Menos do que eu. Não devem ter casa, nem emprego. Devem ter mais filhos para alimentar. Mas o que eu tenho não chega para eles e para mim... Eles deviam saber isso... Porque não roubam pessoas ricas? Pessoas que não contam os tostões? Pessoas que ostentam dinheiro? Roubaram-me as batatas e as cebolas. Tiraram-me a mim para comerem eles. Eu ia come-las. Juro. Pouco deito fora. O que deito penso que é para os pobres. Eu dou o que posso, não me roubem.



Mundo injusto em que vivemos. Ja nao se pode contar com o apoio de ninguém. Exigem, riem se da desgraça dos outros, pobres dos pobres e dos pedintes. Pedi uma mão, mas não era estalada que queria.


Em vez de contar com o apoio do mundo prefiro viver no teu mundo, Rosinha. Seremos duas, já não estaremos sozinhas.