15 abril 2009

Ideias coloridas de cidades sem cores

Vivo na cidade Tinta da China, o meu mundo é todo cinzento. Os prédios são feitos de cimento, os carros correm e deixam um rasto de fumo. Penso que os carros foram feitos de acordo com os nossos dias. Também eles passam a correr e viram fumo. Brinco com objectos de prata, bonecas de ferro, escorregões de alumínio, jornais. O céu está sempre cinzento e eu adoro olhar para as nuvens e imaginar histórias enquanto as nuvens correm e mudam de forma. Adormecíamos encavalitados de trabalho. Nem mesmo a dormir parávamos. No mundo dos sonhos brincávamos com brinquedos coloridos. Sonhávamos com cores. Decidi um dia prolongar o meu sonho e voar pela imaginação.

Voei numa folha de jornal para além das nuvens cinzentas que rodeavam a minha cidade. Pousei numa flor violeta. E reparei numa cidade toda Violeta. Tinha casas feitas de ametistas e todas elas estavam rodeadas de flores. As flores estavam sempre alegres e conversavam muito. Cada uma delas esforçava-se por fazer crer que era mais especial. Tanto que parecia que cada flor estava roxa de inveja das que a rodeavam. Senti que só eram bonitas e grandes para serem melhor que as do lado. Percebi que não queriam saber de si, mas preferiam olhar para as outras e confirmarem a sua beleza transcendental. Tentei fazer com a folha do jornal uma flor mais bonita que todas!! Mas o papel era frágil e eu comecei a rodopiar em cima da minha flor para bem longe dali.


A minha flor pousou com suavidade por cima de um monte de almofadas. Vi uma cidade feita de uma cor escura e profunda. Não se via nada mais do que essa cor. Chamavam-lhe cidade Índigo. Tudo lá era fofo, feito de almofadas e penas. Vivia-se num mundo de sonhos. Podia-se imaginar tudo o que se quisesse! Era uma cidade calma e sonhadora. Aproveitei para sonhar aquilo que nunca pensei sonhar. Depois, vi que o mundo não é feito só de sonhos e que devíamos um dia poder acordar e viver. Ver o dia, não só a noite. Realizar, não só sonhar. Sonhei que queria sair dali e realmente vi outra cidade.



Depois do mais profundo mar, fiquei a pairar num céu azul e limpo. Vi meninas a dançar, sempre sem parar. Eram felizes e cheias de energia. Viviam na cidade Azul. O ar era puro e fresco, como se fosse sempre manhã. Tinha de me desviar para não ser atingida por braços voadores. Não descansavam. Tinha de fechar os olhos para imaginar “não movimentos”, mas mesmo assim passavam por mim ventos azuis que me davam a sensação de movimento constante. Não sabiam descansar porque tinham medo de cair. Não sabiam o que era pisar os pés na terra. Viviam a pairar sem nada onde agarrar. Senti-me desequilibrada e perdi-me numa queda que nunca mais acabava.


Caí com toda a força no meio de um relvado fresco. Cheirava a natureza fresca. Sentia esperança dentro de mim e vi que tudo estava pintado com esperança. Verdes eram as casas, verde era a relva, verdes eram os olhos que me fitavam. Vinham ter comigo e faziam brincadeiras de pessoas verdes. Brincavam até que cresciam e se tornavam grandes, mas estavam sempre na infância. Tudo era pequenino. Até os frutos viviam na esperança de amadurecer, mas ficavam sempre verdes de esperança. Era o mundo da brincadeira, da primavera, da natureza a nascer. Mas nada desenvolvia e antes que a minha folha de jornal se tornasse numa folha de árvore, pus me em cima dela, como se fosse um tapete voador e rumei até ao céu.


Foi difícil abrir os olhos e só depois de ter feito um chapéu é que consegui ver para lá da luminosidade que me rodeava. Vi sorrisos e muita energia. Vi pessoas a brincarem, a correrem, a saltarem. Parecia tudo raios de sol que emanavam energia quando passavam. Era uma loucura contagiante. Parecia que tudo nos fazia mexer e ouviam-se risos por tudo e por nada. Tanto que deixaram de ter sentido e tornaram-se sorrisos amarelos. Todos que passavam por mim sorriam-me da melhor forma que podiam, mas eu só via bocas com dentes. Tapei a minha cara com o chapéu e aproveitei a energia para correr dali para fora.



Só quando me cansei de tanto correr e só conseguia andar é que tirei o chapéu e vi o melhor dos cenários. Era um pôr do sol gigante. Quase a adormecer, o sol estava tão grande que cobria a cidade toda de um laranja fenomenal. Todos adoravam o sol, e olhavam para ele como um Deus. As crianças homenageavam aquele espectáculo com danças de papagaios laranjas. Como se pudessem pendurar o sol num fio e conseguissem levá-lo a passear. Sentiam-se tímidos perante tal beleza e nunca souberam o que era noite ou dia. Viviam sempre no final da tarde. Prometi voltar e mostrar-lhes outras cidades. Passei pelo meio do sol e tudo se tornou noutra cor.



Senti-me escaldada pelo sol. Vi que estava a ficar vermelha como a cidade em que estava. Olhei a minha volta e vi pessoas com os sentimentos à flor da pele. Tinham a pele sensível e a alma também. Tudo neles eram sensibilidades. Viviam do coração. Tanto estavam irascíveis como eram as pessoas mais amorosas à face da cidade. Reinava a instabilidade e, por muito bons que alguns sentimentos fossem havia sempre um medo de que os maus voltassem de um momento para o outro.



Reparei então que em todas as cidades que estive todas elas tinham defeitos e qualidades. E, que seria bom se se conhecessem e descobrissem quem eram através das suas diferenças. Perguntei a cada cidade se poderia disponibilizar alguns momentos de convívio. Nunca foi minha ideia misturar as cidades, cada uma tem a sua beleza única. E vendo cada cor distinta mas em harmonia com as outras criou-se o arco-íris na cidade cinzenta. De vez em quando, vê-se no céu as cidades

a dançar harmoniosamente, deixando um rasto luminoso de cores, agradecendo assim a oportunidade que lhes foi dada. Ninguém fica indiferente a um arco-íris.