22 março 2008

Rio das Flores

Chovia. O mergulhar das gotas na terra fazia um barulho reconfortante. Ao fechar os olhos parecia que conseguia ver qualquer coisa mais do que chuva. Como se fosse flor e precisasse de viver, Rosa ou Margarida, como lhe quiserem chamar, adorava chuva e o cinzento. Adorava barulhos: o dos trovões, o das janelas e o do chão marmóreo quando batia água. Nesses momentos sentia-se bem, mas incompreendida. Ninguém à volta dela sentia tanto a chuva. Talvez fosse por ser a única africana no mundo dela. Dava sentido ao tempo, à música, à dança. Até o descascar de uma batata parecia belo.
Ela pensava que houvera outrora alguém que a compreendia. Tinha vida e alegria, tudo nele parecia a luz de uma estrela.
Ele ficava à espera, nem o sol ainda aquecia, para a ver ir à mercearia. No princípio, ele metia conversa, mas ela não ligava, nem respondia. Ele sempre dizia que ela era a flor do seu jardim. Rosa/ Margarida parecia não ligar às falinhas mansas de Joaquim. Mas lá dentro, ainda no quentinho do seu quarto, já sabia que ele já estava de olhos postos na sua janela à espera da hora que ela fosse fazer as compras para casa.
Começou a ficar feliz, sentiu-se importante. Já mostrava sorrisos e aos poucos e poucos deixou Joaquim levá-la a passear.
Ele mostrava lugares diferentes, dizia mil e uma palavras bonitas. Ela sentia-se mais rosa que margarida. Namoraram. E aos poucos e poucos Joaquim foi perdendo a graça. Já não a esperava de manhazinha, não lhe dava flores pelo moço do correio, não lhe dizia coisas bonitas, nem a levava a passear. Ela pensava que tinha que ser assim. A mãezinha tinha lhe dito, Joaquim é homem bom, não se deita fora. E assim, Margarida ficou com Joaquim sem paixão. Viviam a vida como se não houvesse nada. Joaquim não achava bonita a chuva, nem o descascar de batatas. Margarida sentia-se só quando estava com Joaquim. Sentiu-se flor murcha. Não entendia como o espectáculo de um mar revolto podia acabar num lago pantanoso. Ela sempre foi amante de tempestades, sempre gostou de coisas alegres e com vida. Chorava até quando havia festas de tanta alegria que havia nela nesses dias. E Joaquim fez festa e deixou-se ficar. Os balões começaram a murchar e Margarida não sabia se havia de os limpar ou não. Olhava para a chuva como que a pedir resposta. Joaquim já parecia o seu sofá de tão acomodado estar. Ela não queria sofá, ela queria fogão cheio de brasas e que lhe dava alimento para viver. Mas não disse nada, não podia falar. Mãe disse se falasse estava a pedir e ainda por cima pedir não ia fazer Joaquim sentir o que estivesse a fazer. Não dava bom resultado.
Margarida então, deixou de ser Rosa, viveu murcha por mais algum tempo, apagada e sem cor. Joaquim não sentia, não via. Não sabia que para cuidar de uma flor precisava de dar a sua vida.
Assim estavam os dois mortos, um sentia que estava, o outro nunca o soube.

05 março 2008

Taxi!!

Pois é, ao ler a revista Notícias deparei-me com um tema nada interessante: conversa de taxista. Ora, li até ao fim a ver se havia qualquer filosofia implícita, mas não... Só explicava o já sabido. Que eles falam e nós respondemos. Agora também podemos dizer que nos sentimos na obrigação de começar uma conversa. Há aquelas frases sobre o tempo ou o último jogo de futebol que servem para despoletar conversas acesas. O meu pai, Deus o tenha no Céu (ou qualquer coisa do género, nunca fui muito de usar estas expressões, nem vejo o significado), era um desses que simpatizava com os taxistas. Sorria e começava a conversa de queixas sobre este país: desde o tempo ( "agora está sempre sol, este mundo está maluco", "esta chuva deixa as pessoas mais carrancudas", "este calor não é normal", "está um frio que não se aguenta", "o tempo está ameno, é estranho"), sobre políticas e mais que tais. Ora, lembro-me de uma situação, tinha eu 18 anos, Áurea meses, e decidimos ir de taxi até ao Hospital de São João. Dessa vez pai não foi, mas mãe para manter o espírito da coisa, começa a falar do que não sabe: política... O taxista, bom falador e mau condutor, fala com o coração e sem cabeça sobre o que o enerva, sobre o seu árduo trabalho e sobre a que está sujeito. Conclusão, era ele virado para trás e a estrada a diminuir à nossa frente. Mãe já arrependida pedia por favor para ele olhar para a frente, já dizia para não se enervar, anuia a tudo o que ele contava para não chamar mais sangue a cabeça do homem. E assim se fez uma viagem de terror na intimidade de um carro desconhecido. Já confíamos muito num taxista ao deixar-nos levar onde nós queremos, acho que não é preciso falar do nada. O estranho é que eles gostam do nada, tanto que se irritam ao falar dele. Parece mais uma barbearia, na qual estamos sujeitos a levar uma navalhada se dissermos alguma asneira. Numa damos o nosso pescoço, noutra só temos que dar o nosso silêncio.