18 novembro 2006

auto retrato

Composição: Florbela Espanca
voz: Mariza

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.


Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!


Se eu sempre fui assim este mar morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!


Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

09 novembro 2006

O Beijo


Reproduzir o já vivido é impossível. Esta tentativa, não é de todo tentativa mas outra reprodução. Até porque não sei se seria mais doloroso repetir de novo as mesmas sensações.
Tudo corria bem quando me deixavas com o viajar dos meus olhos, sempre deambulando entre os teus olhos e lábios. Os teus olhos expressavam aquilo que queria ouvir e os teus lábios aquilo que queria sentir. Ah, os teus lábios moldáveis, tristes e alegres quando falavam, sempre em movimento denotando um nervosismo não desvendado. E quando dormiam? Sossegados um encostado no outro, como num beijo eterno, sentido um calor macio que os confortava. Pareciam tão bem, tão indepedentes. e os meus sentiam-se sós, necessitavam daquela harmonia, de alguém que os ensinasse a ser um corpo e não parte dele. Mas essa aprendizagem deveria ser só eu a dar. Eu deveria ensiná-los a ter personalidade própria, não seguir ninguém, não invejar ninguém. Porquê tu não deixaste? Que direito tinhas tu de os orientares para determinado sentido? Parecia que pousaste um veneno quente e doce nos meus lábios. Num momento nada me parecia mau, tudo se revelava como imaginei. Lábios com sentimento, fosse ele qual fosse. Até que descobri qual o sentimento que domina os meus e ia de encontro ao domínio que os teus lábios impunham. Poderia ter te parado. Mas deixei o momento correr e beijaste e sorriste e ficaste sério e falaste e ouviste e calaste-te e pousaste os olhos no chão para não me veres a ir embora
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