14 outubro 2006

Estágio

Quem me dera ter tempo para reflectir o que é o estágio. Ter tempo para dizer que sim, que o estágio requer muito trabalho, que gosto ou não do estágio. Mas em vez disso o meu pensamento recai sobre insignificações. E se as significações começam a ganhar algum contorno de concreto, a minha mente foge para um campo de ilusão.
É assim que me tenho sustentado, de sonhos, ilusões, criações. Adormeço a sonhar, acordo com outro sonho a desenvolver. Mas o meu espaço de eleição para sonhar não é enquanto durmo, mas enquanto viajo. Que sítio mais perfeito, se não numa viagem onde a imaginação pode ganhar asas. E parto do concreto, uma pessoa torna-se minha vítima, sei de onde veio, para onde vai, o que pensa, onde trabalha e a rotina do seu dia a dia. Não existem pessoas no metro que não sejam rotineiras. A começar por mim...o sonho é a rotina da minha vida neste momento.
A escrita não consegue vivenciar aquilo que me faz respirar todos os dias. Há um amor dentro do meu coração, um conforto, uma paz que me faz levantar todos os dias. Tenho transportado esse amor nos meus olhos e onde eles tocam eu apaixono-me. Apaixono-me por aquilo que não conheço e por aquilo que já conhecia. Há uma amálgama de sentimentos e pessoas dentro de mim. E com tanta confusão dentro de mim, tantas pessoas a falarem ao mesmo tempo, tantas pessoas a amarem-me de diferentes maneiras, sinto-me só. Sou a ervilha esquecida no prato, a primeira gota de indício de chuva que a ninguém tocou, o sonho de quem ninguém se lembra...
É assim o estágio. Um ano isolado, que não representa o futuro, nem o passado. Um ano de emoções únicas, nunca mais vividas. Um ano de tentativas de humilhação e superioridade. Sou a senhora doutora e a estagiária. "Caiu-me agora um braço... Olha lá vai ele a valsar,Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei... " e já agora porque não:


"16


Esta inconstância de mim próprio em vibração
É que me há-de transpor às zonas intermédias,
E seguirei entre cristais de inquietação,
A retinir, a ondular...
Soltas as rédeas,
Meus sonhos, leões de fogo e pasmo domados a tirar
A torre de oiro que era o capo da minha Alma,
Transviarão pelo deserto, moribundos de Luar
-E eu só me lembrarei num baloiçar de palma...
Nos oásis depois hão-de se abismar gumes,
A atmosfera há-de ser outra, noutros planos;
As rãs hão-de coaxar-me em roucos tons humanos
Vomitando a minha carne que comeram entre estrumes...
*
Há sempre um grande Arco ao fundo dos meus olhos...

A cada passo a minha alma é outra cruz,
E o meu coração gira: é uma roda de cores...
Não sei aonde vou, nem vejo o que persigo...
Já não é o meu rastro o rastro de oiro que ainda sigo...
Resvalo em pontes de gelatina e de bolores...
- Hoje a luz para mim é sempre meia-luz...
............................................................................
............................................................................
As mesas do Café endoideceram feitas ar...

Caiu-me agora um braço... Olha lá vai ele a valsar,
Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei...
(Subo por mim acima como por uma escada de corda,

E a minha Ânsia é um trapézio escangalhado...) "

Lisboa, Maio de 1914, Sr Mário de Sá-Carneiro



ps: é me impossível passar isto como poema, fazer paragráfos ou espaçamentos, pelo facto, as minhas desculpas.

2 comentários:

tulisses disse...

idem: uau

Milai disse...

o meu uau é diferente do teu uau. um primeiro uau tem um impacto diferente de idem:uau.o meu uau identifica-se com a minha inexpressividade, o teu uau realça a minha inexpressividade. exprime o teu uau à tua maneira...